Há livros em que os personagens se sobrepõem a história. O Último Magnata, do escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald, é um bom exemplo desse tipo de romance. Monroe Stahr, mandachuva do universo glamoroso do cinema e centro da trama, prende a atenção do leitor de tal forma que o enredo torna-se totalmente secundário.
Cecilia, a narradora da história, confessa, logo nas primeiras páginas, ser uma das muitas pessoas que sucumbiram diante do fascínio que Stahr exerce. Ele é sócio de seu pai e a conhece desde que ela era uma garotinha. A diferença de idade não impede que Cecilia nutra uma paixão não correspondida por Stahr.
Pelos olhos dessa narradora tendenciosa, revela-se um personagem ao mesmo tempo imbatível e vulnerável. Stahr é um típico expoente do sonho americano: self-made man, começou de baixo e, com muito trabalho, chegou ao posto de rei de Hollywood. Executivo influente, suas vontades se tornam realidade, sejam elas plausíveis ou não:
Não havia o que questionar ou discutir. Stahr parecia ter razão sempre – não apenas na maior parte do tempo, mas sempre – sob pena de a estrutura vir abaixo, como se fosse de manteiga e derretesse.
Tanto sucesso profissional não o poupa de uma vida solitária e melancólica. Viúvo, ele dedica toda sua energia ao trabalho para fugir do vazio que o rodeia. Seus dias seguiriam até o fim nessa carência de emoções não fosse pelo surgimento de uma desconhecida cuja fisionomia traz à tona, imediatamente, a lembrança de sua falecida esposa. Em um dia atípico nos estúdios, uma enchente atinge um dos sets de filmagem e Stahr vislumbra Kathleen em meio à confusão. Depois do episódio, ele faz de tudo para conhecê-la. Começa, então, um romance que é resgatado, por meio de lembranças e depoimentos, na narrativa de Cecilia.
Fitzgerald sabia, como poucos, trabalhar o mistério e a sedução em seus personagens. Tal qual Jay Gatsby, de O Grande Gatsby, Stahr é uma dessas criações que inspiram empatia pela fragilidade que parecem revelar apenas ao leitor. Por trás do glamour e do comportamento intimidador, esconde-se uma personalidade vulnerável aos mais sutis julgamentos. Nesta descrição que Cecilia faz do personagem, esse esforço por vestir uma máscara pública fica claro:
(…) o rosto que envelhecia a partir de dentro, de modo que não havia nele rugas de preocupação ou aflição, apenas um ascetismo subtraído a uma silenciosa batalha autoimposta – ou a alguma doença duradoura.
Outro ponto bem trabalhado nesse romance é o ambiente em que estão inseridos os personagens. Se em O Grande Gatsby, as festas luxuosas dos Hamptons nos anos 20 são o cenário, em O Último Magnata, o esplendor fica por conta dos bastidores de Hollywood.
E engana-se quem pensa que Fitzgerald lança mão de descrições de eventos cheios de pompa ou das excentricidades das estrelas de cinema para criar um cenário instigante. Diferente de seu romance mais conhecido, nessa história as festas quase não aparecem. Nem por isso o cinema perde seu apelo.
Fitzgerald fez um belo trabalho de pesquisa que transparece na maneira como ele relata a rotina de Stahr ou nos detalhes com que ele apresenta o paternalismo que ainda dominava as relações de trabalho nesse meio. Os efeitos da transição do cinema mudo para o falado e a sindicalização das classes profissionais desse mercado são temas explorados com muita propriedade pelo escritor. Ele consegue inseri-los de maneira inteligente na narrativa, aproveitando-os como gatilhos para o andamento da trama.
Agora que todos já estão apaixonados pela história, uma notícia triste: esse é um romance inacabado de Fitzgerald. Em 21 de dezembro de 1940, um dia depois de escrever o primeiro episódio do capítulo 6 dessa obra, ele morreu, subitamente, de um ataque cardíaco, aos 44 anos.
Essa edição da Penguin Companhia contempla um desfecho escrito a partir dos esboços de Fitzgerald. É possível desvendar, em linhas gerais, os destinos dos personagens. Ao final do livro, também há a transcrição de uma série de anotações e correspondências do autor – um deleite para quem gosta de se aprofundar no árduo processo de escrita.
As pontas soltas do romance deixam no ar a sensação de que essa seria a grande obra de Fitzgerald. Tais especulações ganham força com o argumento de que, à época que o livro foi escrito, o texto e o estilo do autor estavam bem mais maduros. Assim como os personagens de Fitzgerald, que mantinham uma aura de mistério como forma de sedução, as indefinições de O Último Magnata são um convite irrecusável à leitura. Em pouco mais de cinco capítulos, o escritor convence que até mesmo o rascunho dessa história é digno de publicação.
Mariane Domingos
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