Cinema e literatura têm uma ligação quase umbilical. A adaptação de algumas sagas, como Harry Potter, Senhor dos Anéis e Crepúsculo, só para ficar entre as mais famosas, arrastaram milhões para os cinemas. Mas é claro que nem só de blockbusters vive essa relação! Nesta semana, listamos cinco ótimos livros que também renderam bons filmes.

1. A Fazenda Africana, de Karen Blixen: Nascida em uma família aristocrata da Dinamarca, a baronesa Karen Blixen já ensaiava escrever algumas novelas na juventude, mas é a partir da sua experiência na África que surge sua obra-prima. Em A Fazenda Africana, Blixen relata, em primeira pessoa, sua experiência de estranhamento e intimidade com o Quênia, para onde se mudou depois do casamento. A beleza do local a arrebata logo de início:

A posição geográfica e a altitude da região combinavam-se para criar uma paisagem sem igual no resto do mundo. Ali não havia nada de excessivo ou luxuriante; era a África destilada por uma altitude de 1.800 metros, a essência forte e sublimada de um continente. As cores eram secas e crestadas, como uma cerâmica.

Como administradora de uma fazenda de café, conquistou seu lugar como mulher em um ambiente patriarcal, conservador e preconceituoso. Sua posição de autoridade, porém, advém de uma noção europeia de superioridade marcante entre os colonizadores, que aos poucos cede espaço a um forte sentimento pelo continente.

A história de amor de Blixen com o caçador inglês Denys Finch-Hatton, que não chega a ser central para o livro, ganhou bastante ênfase na adaptação para o cinema, feita por Sydney Pollack.. Não à toa, o título em português ganhou a péssima tradução de Entre Dois Amores. Mesmo assim, conseguimos perdoar essas falha porque, no elenco, temos Merryl Streep no papel de Blixen e Robert Redford como seu amante. Depois da leitura, corra para o Netflix!

2. A Sangue Frio, Truman Capote: Não são muitos os autores que poderiam se gabar de ter criado um gênero na literatura. Um deles é Truman Capote, considerado o “pai” do jornalismo literário. Do alto de sua modéstia (praticamente inexistente), Capote dizia que tinha inventado o romance de não ficção. A Sangue Frio foi o livro que estabeleceu  essa divisão. O romance, baseado no caso de assassinato brutal de uma família americana no Kansas, explora de forma brilhante o limite tênue entre realidade e ficção. Os recursos narrativos usados pelo autor americano são até hoje fonte de inspiração para jornalistas e romancistas.

O carro estava em movimento. Trinta metros adiante, o cachorro trotava ao longo da estrada. Dick desviou o carro em sua direção. Era um vira-lata meio morto, esquálido e sarnento, e o impacto, quando o carro atingiu o animal, foi apenas um pouco maior do que teria sido produzido por um passarinho. Mas Dick ficou satisfeito. “Rapaz!”, disse ele  e era o que invariavelmente dizia depois de atropelar um cachorro, o que fazia sempre que tinha a oportunidade. “Rapaz! Esse a gente esmagou mesmo!”

Sempre polêmico, Capote foi acusado de se envolver demais com uma das principais fontes de informação para o livro, um dos assassinos, Perry. Nesse jogo de sentimentos e manipulação, Capote escreveu uma das obras-primas da literatura dos últimos cinquenta anos.  

O filme, Capote, conta com uma belíssima atuação de Philip Seymour Hoffman, que lhe rendeu inclusive o Oscar de melhor ator. Embora não seja uma adaptação fiel de A Sangue Frio, o ótimo roteiro retrata os seis anos de apuração da história, desde que soube do assassinato e se convenceu de que ali havia material para um livro. Mais uma vez, uma dupla imbatível!

3. O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez: Esse é um dos livros que os leitores aqui do Achados e Lidos já devem até ter enjoado de ouvir falar, mas não tem jeito: paixão é paixão. E a história do amor obstinado e quase impossível de Florentino Ariza por Fermina Dazo é daquelas pelas quais é quase impossível passar incólume.

Na prosa de Gabo, que tem um texto que quase se assemelha a uma canção, de tão envolvente, acompanhamos os anos de casamento de Fermina com Juvenal Urbino (uma verdadeira aula sobre relacionamento) e os de sofrimento à distância de Florentino. E, como bem sabemos, não foram poucos:

Florentino Ariza não deixara de pensar nela um único instante desde que Fermina Daza o rechaçou sem apelação depois de uns amores longos e contrariados, e haviam transcorrido a partir de então cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias.

O filme não tem a força arrebatadora das linhas de Gabo, mas tem seus encantos, como Javier Bardem no papel de Florentino. Foi também a primeira participação em uma produção internacional deFernanda Montenegro, como a mãe de Fermino. Leia e assista!

4. Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll: A história todo mundo já conhece: entediada em uma tarde calorenta, Alice vê passar em seu jardim um coelho apressado, que repete sem parar que está atrasado. A cena, porém, só lhe desperta de seu torpor quando ela percebe que ele traja um colete e segura um relógio de bolso.

Mas, quando ele tirou um relógio do bolso do colete, olhou-o e se apressou, Alice se levantou, dando-se conta de que nunca antes havia visto um coelho nem com colete e nem com um relógio de bolso. Ardendo de curiosidade, seguiu-o correndo, a tempo de vê-lo penetrar numa larga toca sob a cerca.

A partir daí, Alice viaja por um país onde todo dia é seu desaniversário, no qual é possível diminuir ou aumentar de tamanho e no qual há uma rainha fixada por decapitações.  O livro pode ser relido mil vezes; há sempre um novo significado a ser capturado, que nos escapara nas leituras anteriores.

A adaptação para o cinema por Tim Burton não decepcionou na criação desse universo fantástico, habitado por crianças e adultos. De Johnny Depp como Chapeleiro Maluco até Helena Bonham Carter como a Rainha de Copas, temos figurinos e cenários que são um presente para a imaginação, mesmo que a atuação de Alice (de Mia Wasikowska) deixe um pouco a desejar.

5. Reparação, de Ian McEwan: Ian McEwan é um mestre em construir certezas para depois nos lembrar que todas as nossas crenças podem simplesmente estar erradas. Ou que, enquanto a literatura abre quase todas as portas ao escritor, as chances na vida são muito menores.  Em Reparação, acompanhamos a formação da jovem Briony Tallis, que sonha em se tornar escritora. Certa tarde de verão, ela acompanha um episódio inusual entre sua irmã e o filho do jardineiro, e o acusa de cometer um crime que marcará para sempre sua existência.

Entre conflitos de classe e as experiências da população inglesa com a Segunda Guerra Mundial, McEwan dá uma aula sobre o poder do romance, ao alternar os pontos de vista sobre os mesmos episódios e guardar a principal revelação para o epílogo.

Sabia também que o que quer que houvesse ocorrido de verdade ganhava importância a partir de sua obra publicada, e não teria sido lembrados se não fosse ela. (…) A verdade se tornara tão espectral quanto a invenção.

 

Em 2007, a história chegou aos cinemas como Desejo e Reparação. Neste caso, obedecer à ordem dos fatores é muito importante: não veja o filme antes de ler o livro!

Concordam com nossas sugestões? Deixem nos comentários quais outros livros renderam boas adaptações?

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
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