Confissões

O Achados e Lidos é um blog sobre literatura e, portanto, nada mais natural do que passarmos quase o tempo todo dividindo com nossos leitores a paixão por autores, livros, temas e outras notícias relacionada ao assunto. Mas como hoje é dia de Divã, achei que era hora de confessar alguns dos meus traumas. A verdade nua e crua é a seguinte: há autores que todo mundo gosta e que eu não suporto. O santo não bate. A escrita não me arrebata. E não é por falta de esforço.

Essa é uma agonia recorrente quando, navegando por listas abundantes na internet, encontro seleções de clássicos que todo mundo deveria ler um dia na vida. E lá estão, sempre eles. Aqueles autores que eu deveria ter em boa conta, mas que, com certa vergonha, preciso confessar que não gosto.

O que me traz mais embaraço é, sem dúvida, Franz Kafka. Quantas vezes em conversas animadas sobre livros tive que admitir, em voz bem baixa, quase inaudível, que não admiro muito seus livros. E não é um caso clássico de “não li e não gostei”. Encarei A Metamorfose ainda nos tempos de colégio e a história de Gregório Samsa, o homem que despertou de sonhos inquietantes como um gigantesco inseto, me deixou um pouco traumatizada. Atribuí a falta de amor ao livro, porém, à parca capacidade de compreensão de metáforas de uma jovem de menos de 15 anos. Com certeza era mais um caso de autor certo na hora errada.

Era preciso, então, dar uma segunda chance a um dos maiores autores do século XX. O livro escolhido para a missão foi O Processo, no qual o personagem principal, Josef K., é preso e enfrenta um longo e penoso processo judicial, sem nunca descobrir ao certo qual acusação recai contra ele.

Não adiantou. Não odiei o livro, mas também não foi nada parecido com uma leitura prazerosa. Era uma sensação de indiferença. Foi com um suspiro de alívio que respirei quando terminei a última página e disse para mim mesma que gosto não se discute. Kafka com certeza não é para mim. Não deu “match”.  

Outro deslize no meu currículo literário é Ítalo Calvino. A Mari talvez decida romper a parceria depois dessa confissão, mas esse é um caso em que não me animei nem a fazer muitas tentativas. O Visconde Partido ao Meio foi Calvino demais para uma só Tainara e, depois desse livro, encarei apenas Por que ler os clássicos, que não é um romance. 

Mais frustrante ainda é quando fazemos uma grande aposta em um livro, que acaba sendo uma enorme frustração. A americana Jennifer Egan ganhou, em 2011, o prêmio Pulitzer, o National Book Critics Circle Award e o LA Times Book Prize por A Visita Cruel do Tempo. Estava, portanto, muito animada quando comecei a ler Olhe para Mim, finalista do National Book Award de 2001. As primeiras páginas foram um grande incentivo. A história de uma modelo que tem a carreira arruinada por um trágico acidente de carro parecia ser eletrizante e estava ansiosa para saber qual seria seu destino. 

Logo a empolgação deu lugar à frustração. Por mais que a crítica à falta de individualidade e de privacidade seja interessante, o enredo da história me pareceu tão mirabolante que cada página era um fardo. Terminei de ler porque não gosto de deixar livros pelo meio, mas foi um grande esforço. O pior é que sou tão teimosa que ainda acho que posso ter escolhido o livro errado e pretendo dar uma nova chance à Egan. 

Outra estrela em ascensão, Mia Couto, com certeza também será alvo de uma nova tentativa. Minha primeira aproximação com o escritor foi O Ultimo Voo do Flamingo. Foi outra leitura por obrigação (um analista mais atento talvez identifique aqui um padrão), já que era ano de vestibular e o livro constava na lista da Cásper Líbero, que não era minha primeira opção. A história, que se passa em uma cidade fictícia, em que os soldados começam a explodir aleatoriamente, me pareceu excessivamente figurativa. E nem posso usar a desculpa da idade, neste caso. Com 18 anos, já tinha escolhido vários dos meus autores preferidos até hoje.

Poderia continuar a listar aqui minhas “vergonhas literárias”, mas vou parar antes que os leitores desistam do blog. E olha que nem comecei a falar dos clássicos que ainda não li!

E por aí? Quais são os autores que todo mundo ama, mas vocês não suportam?

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
Tainara Machado

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1 Comentário

  1. Profunda identificação! Eu não gostava de Kafka, mas era pq não entendia. Peguei uma aula na universidade e estava bem nervosinha pq o professor daria Kafka. Foram as melhores aulas da vida. Ele quebrou uma barreira que mesmo sem perceber eu havia criado pq não entendia o que havia lá nas entrelinhas… Vi a obra dele de outra forma – não conseguiria isso sem um empurrão (confesso que gravei e ouvi novamente)…

    Mia Couto foi pelo mesmo motivo que o seu: fiz para o vestibular e acho que era muito nova para entender o que ele realmente queria dizer. Depois de uns 6 anos li “Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra” e amei.

    Acho que, de certa forma, precisamos estar no momento correto de nossas vidas e experiencias para gostar de alguns tipos de livros. Não consigo até agora gostar de Calvino, mas deve ser muito bom (não é possível que tantas pessoas sensacionais estejam enganadas)… Talvez não tenha chegado a minha hora de morrer de amores por ele!

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