E, de uma hora para outra, só pensamos nele. Não queremos saber de mais nada. Nem do trabalho, nem dos amigos. Cada segundo a mais juntos conta. Dormir fica difícil, se não desnecessário. E quase o tempo todo somos invadidos pelo temor de que uma hora tudo vai chegar ao fim. É, não é fácil quando nos apaixonamos por um livro.
Quase sempre essa paixão resulta em um relacionamento sério com o autor da obra. E aí vem o drama: o que fazer quando um bom autor só escreveu um ou dois livros? No amor literário, nem sempre temos a sorte de nos apaixonar por Balzac e os 88 títulos da Comédia Humana. Às vezes, nos vemos profundamente envolvidos com escritores novos, como foi o caso de Daniel Galera e seu Barba Ensopada de Sangue. Nosso primeiro encontro foi fugaz.
O capítulo de abertura do livro entrou na Granta dos 20 melhores autores brasileiros com menos de 40 anos. Por aquelas poucas páginas, já era possível ver que nossa história tinha futuro. A narrativa era forte, marcada pelo reencontro com o pai e a decisão bastante chocante que ele havia tomado. Fiquei ansiosa pelo lançamento. De repente, alguns meses depois, o que era para mim um flerte privado se tornou uma paixão coletiva. Só se ouvia falar dele. Galera apareceu em praticamente todas as listas de recomendações de leitura para o ano, em inúmeras resenhas, na mesa principal das livrarias: foi o título onipresente no amigo secreto do pessoal da faculdade. O problema é que acabou rápido demais.
Era fim de ano, estava de férias do trabalho e devorei o livro em pouco mais de uma semana. O escritor, infelizmente, não lançou nada novo desde então, deixando a nós, leitores vidrados em BES (sim, criei uma sigla), órfãos. Como uma boa stalker, passei a procurar outros livros dele, mas não adiantou. Cordilheira, escrito por encomenda para um projeto da Companhia das Letras, é interessante, mas não tem a força narrativa que eu procurava.
Nesses casos de decepção, tentamos levantar o humor com novos autores, em busca de alguém que possa substituir esse vazio deixado em nosso criado-mudo. Não costuma ser um processo fácil. Quando o desespero é grande, o jeito é partir para autores que gostamos tanto que nem é mais paixão, já virou amizade sincera. É o caso de Gabriel García Márquez.
Acho que ele foi um dos primeiros autores “sérios” que li na vida. O encontro foi meio sem querer, na casa de uma amiga. Quem me apresentou foi uma estante que tinha de tudo, de livros de arte até auto-ajuda. Ele estava ali meio deslocado, sem um sentido na vida, até que decidi o levar para casa. E ele veio para ficar – eu o devolvi a contragosto, mas comprei um para a minha própria estante. Como uma adolescente poderia não se encantar com aquela história de amor?
Foi assim que O Amor nos Tempos do Cólera virou um dos meus livros favoritos, daqueles que de tempos em tempos eu releio só para ver se ele continua a ocupar essa posição. Até hoje, nunca me decepcionei.
Por sorte, àquela altura, Gabo já tinha escrito quase todas suas obras-primas, como Cem Anos de Solidão e Crônica de uma Morte Anunciada. Logo em seguida, ele publicou o que seria seu primeiro volume de memórias, Viver para Contar. Muito da minha decisão de cursar jornalismo é culpa desse livro. O amor que ele tinha pela profissão, a impressão de que seria possível fazer tudo diferente todos os dias, além de seguir lendo, me encantaram. A amizade de tantos anos ainda não acabou. Voltei a ele um dia desses com o Outono do Patriarca.
Outro autor a quem recorro em momentos de “seca literária” e José Saramago.Também foi um encontro fortuito. O Homem Duplicado ficava na estante do meu pai, que no geral, até onde me lembro, não era um leitor de romances. Ah, o acaso. Não foi, porém, uma relação construída sem certo esforço.
Com tantas vírgulas, frases de cinco linhas e poucos parágrafos, nosso relacionamento precisou de boa vontade no início. Mas depois que o ritmo se encaixou, passamos a nos entender muito bem. Temos opiniões parecidas e o diálogo flui bem. Concordo plenamente com a tese que permeia uma grande parte dos seus livros, em especial Ensaio sobre a Cegueira: sem lei ou algum outro tipo de restrição social, o ser humano é essencialmente ruim. Se guiados apenas pelos instintos, seria impossível viver em coletividade (bom, os últimos anos têm nos mostrado que mesmo com leis a vida em sociedade vai de mal a pior). Um dos meus preferidos, no entanto, é a releitura muito bem-humorada de uma das histórias mais conhecidas do mundo: O Evangelho Segundo Jesus Cristo.
Meu relacionamento literário mais duradouro nos últimos tempos foi com Chimamanda Ngozi Adichie. Dela, eu queria ser amiga de verdade. Poder discutir, pedir opiniões sobre livros, escrita e até sobre moda (que mulher estilosa!). Se a amizade não for possível, poderia ser sua agente. Chimamanda é, além de tudo, a autora que mais indico no momento. Deveria até ganhar uns royalties pelas vendas de Americanah, seu romance mais recente e o melhor que ela escreveu, na minha opinião. Nas narrativas dela, as mulheres são fortes, protagonistas, com controle total sobre seu destino. É bonito de ver. É inspirador. É reconfortante. Não é para isso que servem os amores?
E você? Já se apaixonou por um livro? Conte mais nos comentários!
Tainara Machado
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20 de junho de 2016 at 23:13
Um dos últimos livros que gostei muito e não queria que acabasse nunca mais não foi um livro literário, mas uma biografia, a do tenista Guga Kuerten. Além do livro ser uma injeção de ânimos e uma história de sucesso do ”Manezinho da ilha que se tornou tri campeão de Roland Garros” (ele mesmo que se definiu assim), eu pude reviver os jogos do 1′ Grand Slam que ele conquistou, com a mesma emoção daquele ano de 1997 em me perguntava: Where the fuck this guy learned how to play tenis like this? Onde foi que esse cara aprendeu a jogar esse tênis?
22 de junho de 2016 at 10:35
Possuo um grande ‘amor literário’ por Valter Hugo Mãe. Uma escrita poética que me encanta, cada livro que leio aumenta ainda mais este sentimento. Além dos livros de VHM tb me encantei, recentemente, pelo clássico Notre-Dame de Paris, de Victor Hugo.
4 de julho de 2016 at 22:27
Tenho alguns “amores literários”. O mais recente foi David Foster Wallace. Fiquei falando sobre ele para todos os meus amigos por uns seis meses seguidos! Rs Tenho também uns amores mais antigos – Machados de Assis, Victor Hugo e Dostoiévski.
Pra não dizer que todos meus amores são impossíveis – já que esses que citei não estão mais entre nós 🙁 – Valter Hugo Mãe tem me encantado bastante também! Ele é um “amor literário” moderno: consegue ser tão interessante nas redes sociais quanto nos seus livros!