Chegamos ao fim de Hibisco Roxo! Foram oito semanas de leitura prazerosa e de um debate interessante. Agora, queremos saber: o que vocês mais e menos gostaram no livro da Chimamanda Ngozi Adichie? Mande sua opinião para nosso e-mail blogachadoselidos@gmail.com. Vamos publicar as impressões por aqui na semana que vem!

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

Eu ri. Rir parecia muito fácil agora. Muitas coisas pareciam fáceis agora.

Esta frase de Kambili representa muito bem a narrativa de Hibisco Roxo. Como comentamos por aqui na semana passada, este é um livro sobre liberdade. Ou melhor, sobre a descoberta da liberdade.

Kambili percorreu um longo e delicado caminho de reconhecimento do que é o mundo longe da intolerância do pai. Chimamanda, com sua escrita sensível e próxima, posiciona o leitor ao lado da jovem narradora e nos faz perceber o mundo pelos seus olhos.

A princípio, sentimos estranhamento. Em que século vive esta garota? Será uma criança? De onde surgiu uma figura como Papa? Mas à medida que a leitura avança, a empatia pela menina e seu contexto familiar, social e político só aumenta. Chimamanda consegue isso, porque questiona nossos preconceitos e nos tira da posição de julgar a situação pelas nossas verdades e cultura. Com sutileza e uma habilidade admirável para usar metáforas, a escritora nos apresenta a cultura nigeriana (com direito a detalhes sobre o idioma igbo, a culinária e a moda local) e também nos conta a história de opressão daquele povo, que sofre as heranças de um processo de colonização. Nos sentimos próximas de Kambili, porque, assim como ela, também estamos mergulhando no desconhecido. É tempo de descoberta para a jovem e para nós, leitores.

Mais do que uma escrita sutil, Chimamanda sabe muito bem construir personagens. Tia Ifeoma é um bom exemplo disso. Quem não vibrou quando aquela risada alta entrou na história? Foi como um sopro de esperança. Quando já nos sentíamos desanimadas por aquele ambiente hostil e opressivo, a escritora parece nos dizer : “não ceda aos estereótipos, a Nigéria não é só Papa, não é só Kambili, não é só Mama”. Tia Ifeoma é a jardineira dos hibiscos roxos. É quem cultiva a liberdade.

Papa é controverso do início ao fim. Ao longo de toda a narrativa, Chimamanda não deixa de reforçar como a sociedade é capaz de construir imagens romantizadas de homens poderosos e fica cega (ou melhor, prefere não enxergar) quando os abusos acontecem à vista de todos. Seja com o avô de Kambili passando necessidades em sua aldeia, enquanto a poucos quarteirões dali a vila inteira aproveita as nairas e a comida distribuídas por Eugene, seja Amaka, que não acredita que o tio possa ser de todo ruim, já que pagou o funeral todo de Papa Nnukwu. O dinheiro corrompe mesmo quando não percebemos.

As nuances dos personagens nos são reveladas lentamente, mas o desfecho do livro todo aconteceu em pouco menos de 50 páginas. Sem nunca descobrir o riso e a possibilidade que guardam os hibiscos de tia Ifeoma, Mama, fadada a ficar presa naquela relação, possivelmente sem o amparo de seus filhos, que sentem o cheiro de liberdade, toma uma decisão completamente inesperada.

Com ajuda de Sisi, começa a colocar veneno no chá. Não sabemos se Papa já sabia que estava sendo envenenado e se deixa levar, o que não parece condizente com sua personalidade, mas o fato é que ele não oferece a xícara do amor aos filhos (o que é lembrado por Kambili), permite que Mama leve o jantar de Jaja em uma bandeja e não empurra com força a estante que fecha a porta do quarto de seu filho.

Algo pairava sobre nós. (…) Era tudo novo demais, estranho demais, e eu não sabia o que ser nem como ser.

A partir daí, o ritmo cadenciado que vinha ao longo da história dá lugar a uma corrida contra o tempo para fechar alguns ciclos. O final da leitura é eletrizante. Toda aquela ação que ficou em segundo plano nas páginas anteriores, em prol de um romance mais focado nas entrelinhas e nas sutilezas, aparece na parte final. Tem morte, tem prisão, tem crime, tem suborno.

Talvez Chimamanda tenha pretendido dar um daqueles chacoalhões que exigem amadurecimento quase instantâneo. Os primos vão embora para os Estados Unidos e a comunicação por cartas nunca vai permitir que floresça aquele lâmpejo de intimidade que experimentaram sob o teto da casa em Nsukka. Jaja assume o crime no lugar da mãe e é preso, o que acaba com a comunicação por olhares que os dois irmãos eram capazes antes que tudo acontecesse. A linguagem é mais seca, mais direta, os problemas mais reais. É uma mudança súbita, mas talvez assim também seja a vida.

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