O mar já foi palco de grandes aventuras literárias. Em Robinson Crusoe (Daniel Dafoe), em Moby Dick (Herman Melville), em Relatos de um Náufrago (Gabriel García Márquez) e, em muitos outros, lá está ele, com maior ou menor participação. Toine Heijmans apostou nessa fórmula e não poderia ter escolhido melhor cenário (ou seria personagem principal?) para seu romance de estreia, No Mar.
Pai e filha, uma criança de sete anos, embarcam em uma viagem de 48 horas pelo Mar do Norte, de Thyborøn (Dinamarca) para Harligen (Holanda). Entre momentos de mar calmo e de mar agitado, vamos conhecendo a turbulência que há dentro de Donald, nosso narrador-pai-capitão:
Fiquei fora de vista por quarenta e quatro horas e agora o mundo volta a me puxar para dentro. Com tudo de que dispõe. Com faróis, radares, binóculos de visão noturna. Com os olhos de águia dos faroleiros. Por fios sem fio, eles me puxam para terra. Queira eu ou não. (…) Se não fizer como combinado, eles arrastam meu barco para dentro. De volta às pessoas e suas coisas. Um barco pode zarpar mas no fim tem que retornar a um porto. O mundo é assim. Os únicos barcos que permanecem no mar são os que naufragaram.
Repleto de metáforas bem construídas como essa, que comparam os desafios em terra firme aos desafios da vida ao mar, o livro nos guia por uma história que tem ação, reflexão e, como cereja do bolo, um suspense psicológico.
Logo nas primeiras páginas, descobrimos que, na última etapa da viagem, Maria, a filha, desaparece inexplicavelmente do pequeno barco vermelho de mastros negros. Nesse ponto, o narrador volta no tempo e começa a descrever todos os seus movimentos até o momento em que nota a ausência da filha. Aos poucos, Donald vai se revelando: nosso herói é um casco de barco aparentemente forte, mas com fissuras secretas, que, a qualquer instante, deixarão a água entrar para afundá-lo.
Nessa retrospectiva, encontramos outra grata surpresa do livro: os motivos que levaram Donald ao mar. Heijmans traz à tona um tema bastante atual: o estado de esgotamento e estresse que tem atingido uma parcela cada vez maior de pessoas insatisfeitas com sua rotina de trabalho.
Nosso narrador vai ao mar em busca de um sentido que não encontra em terra firme, nas regras e metas do escritório que o confina. Ele tirou um sabático, palavra que está em alta no vocabulário de uma geração que tem informação e mobilidade de sobra, mas parece não ter muita escolha sobre os rumos de seu próprio barco. Afinal, a rota do sucesso já foi traçada.
Na literatura, o mar é sinônimo de descobertas. Descobertas que sempre estiveram por perto, mas que só o desconhecido pode revelar. Esse livro de capa bonita, que comprei por saudosismo antecipado das edições da Cosac Naify, acabou sendo um bom exemplo de desconhecido que traz ótimas surpresas.
Mariane Domingos
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