[Hibisco Roxo] Semana #5

Para a próxima semana, avançamos mais um capítulo, até a página 218 da edição da foto.

Por Tainara Machado e Mariane Domingos

Nos capítulos desta semana, começamos a sentir os cheiros suaves de liberdade oferecidos pelos hibiscos roxos experimentais de tia Ifeoma. Jaja e Kambili foram passar uns dias com a tia na cidade universitária de Nsukka, onde ela mora, e aos poucos são apresentados a um mundo com menos horários fixos e restrições, mais abertura para falar e questionar e até uma relação mais natural, menos forçada com a religião.

Essa mudança de ares nos proporciona um conhecimento mais amplo do país, não só geográfico, mas também socioeconômico. Pela perspectiva de Kambili, já notamos que também em Nsukka há desigualdade por toda parte, embora a menina não formule a questão nesses termos. Ao chegar à universidade, descreve as casas de dois andares com entrada de cascalho para os carros, que mais tarde saberemos que pertenceram aos professores brancos, seguidas por bangalôs e então por blocos de prédios com espaços largos na frente, em vez de entrada de carros. Há ainda os apartamentos colados uns aos outros, que abrigam os funcionários da universidade.

Nos capítulos anteriores, tínhamos conhecido a fartura da casa de Kambili na capital Enugu e no interior, em Abba. Nos raros momentos em que a pobreza era apresentada, sempre surgia a figura “generosa” de Papa distribuindo dinheiro com a mesma facilidade com que distribuía exigências. Na casa de tia Ifeoma, a realidade é outra: os alimentos não são tão variados e o espaço bem menos abundante. À escassez de diversos itens, que para Kambili pareciam tão básicos, se contrapõem a alegria e a praticidade de tia Ifeoma, que aparenta não se abalar com a falta de gasolina iminente ou com a água insuficiente até para descargas.

A relação que mais ressalta esse choque entre as diferentes realidades, porém, é a de Kambili e de Amaka, sua prima. Kambili tenta se habituar a um mundo em que o chão é de concreto, o teto é baixo, no qual refrigerante é artigo de luxo e a carne é pouca. Em certo momento, Kambili tenta desviar de um desses pensamentos, porque sabe que Amaka não gostaria deles.

Com ar adulto, mas petulância adolescente, Amaka confronta o tempo todo Kambili com a vida de menina rica e mal-acostumada que, supostamente, ela levaria em Enugu. Em alguns momentos, tia Ifeoma precisa até intervir, com suas palavras sempre sábias e equilibradas:

– Amaka, você pode ter a opinião que quiser, mas precisa tratar sua prima com respeito. Entendeu bem? – respondeu tia Ifeoma em inglês, falando com firmeza.

Kambili sabe que não há resposta certa, que Amaka se incomodará com qualquer comentário dela. Ficamos apenas imaginando como seria bom se ela se permitisse ter voz própria para narrar à prima o que é viver sob o olhar de Papa.

A inexpressividade e desconforto que ainda encontramos em Kambili parecem não assombrar mais Jaja. Os ares de Nsukka têm feito muito bem ao garoto, que parece estar encontrando sua própria consciência e seu lugar. No jardim da tia, pelo qual ele é apaixonado e onde passa horas e horas, vemos a autora construir uma linda metáfora sobre a liberdade e rebeldia, que torcemos que floresça nos próximos capítulos. Pela narrativa de Kambili, podemos notar que os olhos do irmão estão ganhando novo brilho.

Apesar de Nsukka ser o centro da história nesses dois últimos capítulos, ainda temos notícias de Enugu. Elas chegam pelos telefonemas de Papa e Mama, saudosos dos filhos e um tanto apreensivos pelos rumos políticos que o país está tomando.

As contradições de Papa também ficam cada vez mais visíveis. Ele é um homem de aparências, isso já sabemos desde o começo do livro, mas Chimamanda consegue, com sutileza, construir um personagem multifacetado. Papa é a pessoa que espancou o filho por ficar em segundo lugar na classe da primeira comunhão a ponto de deformar seu dedo mindinho e que pratica tortura psicológica tão intensa com a família que consegue controlar seus pensamentos. Ao mesmo tempo, nos conta Kambili, nunca subornaria os guardas estaduais, porque “não podemos ser parte daquilo contra o qual lutamos”. É dono do Standard, única voz de oposição desde o golpe de Estado, com editoriais críticos ao governo e que são respeitados até por tia Ifeoma.

Terminamos esses dois últimos capítulos sentindo que, em breve, a estabilidade e a prepotência de Papa serão abaladas. O Standard não está agradando o grupo que está no poder e a conta não vai demorar para chegar à casa de Kambili. Papa já pressente isso, mas, por enquanto, tudo que Jaja e Kambili sabem é que eles ganharam mais um tempo perto dos hibiscos roxos de tia Ifeoma.

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4 Comentários

  1. Lilian Cantafaro

    9 de abril de 2016 at 16:17

    Também me pareceu que Papa irá experienciar de ”seu próprio remédio autoritário” daqui pra frente.
    Contradições da igreja expostas nas orações de Papa: pedir a Deus que converta Papa-Nnukwu ‘para salvá-lo das chamas do inferno’, sendo incapaz da generosidade de orar por sua saúde e até mesmo o absurdo de deixá-lo passar fome.
    Fiquei com a impressão de que Kambili está tendo uma forte atração física pelo jovem padre Amadi.

    • Mariane Domingos

      10 de abril de 2016 at 18:36

      Lilian, fiquei com a mesma impressão em relação ao padre Amadi e Kambili! Acho que teremos surpresas nos próximos capítulos.
      E quanto a Papa, ele é mesmo a contradição em forma de personagem. Ele me lembra muito de uma frase que está no livro de Muriel Barbery, A Elegância do Ouriço (cuja leitura recomendo muito!): “A faculdade que temos de manipular a nós mesmos para que o pedestal de nossas crenças não vacile é um fenômeno fascinante”.

  2. Ana Paula Manzalli

    15 de abril de 2016 at 12:47

    Caracas, essa frase é incrível, Mari! Vou me lembrar dela em inúmeras ocasiões!

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