Praticando o desapego

leitor-no-divaSe há um problema com o qual todo leitor vai se deparar, cedo ou tarde, este é o espaço. A depender do tamanho da sua casa, da disposição das estantes e de suas prioridades (sinto muito por quem também coleciona DVDs), esse encontro de contas pode vir logo ou demorar uns bons anos, mas é inevitável.

O meu aconteceu há pouco tempo. Mudei-me recentemente para uma casa menor e com muito menos armários e prateleiras. Para a minha sorte, o apartamento novo tem uma bela estante, mas há o inconveniente de que ela não é toda minha. Pior ainda, tenho que dividi-la com livros de direito, que ocupam um espaço enorme.

Por isso, fui obrigada a praticar o desapego. Gostaria de poder escrever que foi uma experiência libertadora, que eu consegui reduzir a coleção a uma lista seleta de títulos bem escolhidos e que doei tudo o que tinha, mas seria uma mentira. Até porque a separação não foi traumática: a parte da minha (já não tão) pequena biblioteca que eu não pude trazer ficou na minha mãe.

Mesmo assim, precisei fazer escolhas e, como sempre, adotei critérios muito objetivos. Os livros de capa bonita, como os forrados em tecido e edições comemorativas, tiveram lugar garantido na mudança, assim como aqueles ainda não lidos. Sim, é uma parte vergonhosa de toda biblioteca, mas eles estão sempre lá, aquela longa prateleira de obras intocadas, que parece nunca diminuir (culpa das compras online e das Feiras do Livro da USP, eu diria).

Houve ainda o critério apego sentimental. Saí pela casa caçando a saga do Harry Potter, que tive que dividir em algum momento da vida com meu irmão. Nessa tarefa, descobri que dei muito dinheiro para J.K. Rowling. Tal qual as filhas de Miranda, em O Diabo Veste Prada, eu e meu irmão tínhamos cada um seu exemplar de As Relíquias da Morte, em inglês,fora a tradução lançada alguns meses depois. Ainda nessa leva, está O Pequeno Nicolau, que merece ser lido em qualquer idade.

Foram para a lista de doações os romances água com açúcar que li na adolescência (long time, no see Bridget Jones), os livros policiais, dos quais não sou muito fã, e compras impulsivas malucas por aí. Em alguma Flip, por exemplo, adquiri um tratado sobre Lacan da Elizabeth Roudinesco. É certo que ele ficará melhor em uma estante de algum estudante de psicologia.

Livros dos quais não pretendo me desfazer, mas que preenchem a condição de serem bonitos e interessantes continuaram a enfeitar as prateleiras da casa da minha mãe. Nessa lista, temos o período em que, depois de um curso sobre o assunto, desenvolvi certa fixação sobre o conflito Israel-Palestina, durante o qual construí um pequeno acervo sobre diplomacia e guerra. Meu desapego, como podem ver, é bem seletivo.

Daqui para frente, terei que moderar as compras de novos títulos (qual a chance, agora que tenho a desculpa de muitas Notas do Rodapé para escrever?) ou invadir a sala. Me lembro de uma história, que já não sei mais se ouvi ou li, em que um acumulador de livros recebeu um ultimato da mulher. Ele estava velhinho, ficava doente facilmente, não podia mais suportar a rinite que suas estantes causavam. Foi obrigado a se desfazer de uma parte e levar o restante para um depósito. Mesmo assim, continuava comprando mais de cinco títulos toda vez que visitava uma livraria. Desapegar é mais difícil do que parece.

E vocês, são acumuladores ou compartilhadores de livros?

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
Tainara Machado

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8 Comentários

  1. Tainara, desejo a vc toda sorte e felicidade desse mundo!!
    E com certeza irei ler O Pequeno Nicolau!!
    Adorei a dica
    Beijosssssss

  2. Sou acumuladora declarada! Estou no mesmo dilema: quero mudar de casa, mas já desisti de alguma opções por motivos de “não caber todos os livros”. Não irei me desfazer. Meu coração até acelera só em pensar na possibilidade. Boa sorte com sua casa nova e seus livros!

    • Tainara Machado

      29 de março de 2016 at 17:48

      Muito obrigada, Ana! É um processo bem doloroso, mas meus livros estavam tão espalhados que foi mais fácil não dar tanta falta de nenhum! A estante também ajudou a facilitar a aceitação, rs! Mas ainda não achei para quem doar os livros! Procuro indicações!

  3. Quando me mudei recentemente, também me vi obrigada a praticar o desapego. Fiz uma limpa nos infanto-juvenis e YA que sei que não faria rejeitadas. Desapeguei também de livros que não gostei e estavam ocupando espaço. É doloroso, mas é bom ver/ter espaço na estante para futuros novos livros.

    • Tainara Machado

      5 de abril de 2016 at 18:56

      Mirian, foi mais ou menos isso mesmo. Os muito queridos dificilmente saem da estante, mas consegui ao menos me desfazer daqueles que estavam, literalmente, apenas ocupando espaço. Ainda tenho muito a evoluir na arte do desapego, rs

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