[Hibisco Roxo] Semana #2

Queridos leitores, para estimular o debate, decidimos publicar, em único post, um texto de cada uma sobre os três primeiros capítulos de Hibisco Roxo. Leiam e dividam conosco o que vocês acharam das páginas iniciais da leitura desta semana! Ah, e continuem no ritmo. Semana que vem,  vamos falar por aqui dos próximos dois capítulos do livro (até a página 79, na edição da Companhia das Letras).

Por Tainara Machado

Não gosto de ler contracapas e nem orelhas de livros. Gosto da sensação de iniciar uma leitura sem saber muito bem o que esperar e ser surpreendida. Talvez devesse ter feito isso excepcionalmente para o Clube do Livro, mas mantive a tradição. E, nestas 42 primeiras páginas de Hibisco Roxo, não me arrependi.

Conheci a Chimamanda Ngozi Adichie em uma Flip há muitos anos e adorei Meio Sol Amarelo. Ele é contado a partir de três pontos de vista e tem, como pano de fundo, a guerra que se seguiu à tentativa de criação do estado independente da Biafra. É uma narrativa muito distinta de Americanah, o livro mais recente da Chimamanda. Nele, Ifemelu é uma menina nigeriana que parte para os Estados Unidos e, 15 anos, depois, já uma blogueira bem sucedida, decide voltar à Nigéria e buscar suas raízes.

Com obras tão diferentes no currículo, não sabia muito bem o que esperar de Hibisco, que na verdade foi escrito antes desses outros dois livros. O primeiro capítulo, porém, nos dá algumas pistas importantes e deixa marcados os conflitos que devem nortear a trama.

O ponto de vista, ao menos nos capítulos iniciais, é de uma menina ainda em idade escolar. Há claros sinais de que a família é abastada, seja porque há Sisi, que cozinha para Mama, seja porque atrás da sala de jantar, que já é grande, há uma sala de estar maior ainda.

A sensação de conforto, porém, termina por aí. O pai, Eugene, ou Papa, é uma figura dominadora e opressiva. A mãe é submissa e há indícios de que o ambiente familiar é violento. Por isso, há certo choque na reação do pai à decisão de Jaja, o irmão, de não mais comungar na igreja que frequentam assiduamente aos domingos. Ele apenas atira o missal em Jaja, mas não o acerta. O objeto espatifa uma das prateleiras da estante da sala de jantar e quebra as estatuetas adoradas pela mãe. Não há, como a narradora e os leitores esperam com a respiração presa, combate entre os dois, mesmo que Jaja tenha tratado a hóstia com desprezo, como biscoito.

Além desse ponto de tensão, o primeiro capítulo também começa a desvelar o que devem ser as motivações do irmão da narradora. A recusa parece estar, de certa forma, ligada à vida dupla do pai, que tem negócios milionários – e corruptos – com o governo, mas é a figura exemplar do padre Benedict, pelas inúmeras obras materiais feitas em seu nome para a igreja. E, no meio disso tudo, há ainda um golpe. Chimamanda, como sempre, nos promete uma boa história.

Por Mariane Domingos

Este é o primeiro romance de Chimamanda que leio. Ela chegou à minha estante muito bem recomendada e, nesse começo, não me decepcionou.

Ainda é cedo para falar de personagem preferido, mas confesso que Jaja saiu na frente pelo seu espírito questionador. Gosto também do fato de a narradora, Kambili, ser uma criança (pelo menos neste começo). Acho que esse é um dos tipos de narrativas mais difíceis. Afinal, não deve ser fácil para um escritor relembrar como ele encarava o mundo quando criança. A ingenuidade é algo difícil de se recuperar depois que se perde.

Com a delicadeza do olhar de Kambili, Chimamanda conduz a história e, aos poucos, nos dá mostras de que “não, não trataremos de temas leves por aqui”.  À medida que avançamos na leitura, a visão heroica que a pequena tem do pai começa a ser manchada por certos episódios. Embora a ingenuidade infantil torne as cenas menos literais, menos objetivas, nós, leitores, já identificamos nas entrelinhas o que vem por aí: Papa é intolerante, violento e corrupto, e Mama sofre muito, e calada, nas mãos dele.

O uso que a autora faz de alguns símbolos também me encantou: os hibiscos no quintal e o sentimento de liberdade; as estatuetas da estante de vidro e os desabafos silenciosos da mãe. Espero que ela ainda volte neles ao longo do romance!

Nessas primeiras páginas, também é marcante o choque cultural de uma história ambientada na Nigéria. Como sabemos pouco sobre esse país! Questionamentos sobre o papel da mulher na sociedade e no núcleo familiar, os modelos de educação de filhos, religião e política já nos vêm à cabeça. É isso que chamo de viajar nas páginas de um livro!

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8 Comentários

  1. Meninas,
    prometi a mim mesma que iria acompanhar o ritmo de leitura do Clube. Mas, confesso, acabei atropelando a página 42!!

    Nunca havia lido nada da Chimamanda, que no Hibisco apresenta uma escrita leve e cheia de palavras curiosas no meio das frases. Fui fisgada pra esse universo, com tantas semelhanças e diferenças do nosso.

    Papa lembra-me o velho ditado “por fora bela viola, por dentro pão bolorento”; Mama faz com que eu pense sempre no papel da mulher e de como ele é muito mais complexo quando inserido em um cultura diferente da nossa; e Jaja e Kimbili motivaram-me a seguir ansiosamente pelas próximas páginas!

    Agora, copiando o estilo de Mama, comento “da maneira como os pássaros se alimentam: aos bocadinhos”, porque não quero soltar spoilers. E aguardo o próximo post! <3

    • Melhor descrição de Papa, Sté! haha Também acho que Jaja e Kambili ainda vão nos proporcionar fortes emoções, mas aposto (ou torço) por uma grande virada de Mama.

      Eu e Tatá também nos seguramos para ficar na página 42, porque, como disse, a escrita é leve. Quando você vê já está lá se alimentando de grandes porções em vez dos “bocadinhos”. 😉

    • Sté, gosto muito das palavras curiosas que a Chimamanda insere na narrativa. E acho interessante como acabamos aprendendo um pouco de igbo, já que ela sempre nos ensina, na frase seguinte, o que foi dito. É um modo de nos aproximarmos da cultura local, assim como as descrições que ela faz do ritual em que Mama trança o cabelo de Kambili, por exemplo. Tudo isso de forma delicada e leve!

      Imagino que a cada semana ficará mais difícil segurar o ritmo de leitura! Estou curiosa para as “cenas do próximos capítulo”, mas sexta-feira tem mais!

  2. Muito legal o clube do livro! E o livro q escolheram é simplesmente ótimo. Estou amando! E tb estou enfrentando dificuldades em me conter.
    O livro já me encantou pela capa. Ela chamou a minha atenção ao destacar a cor presente no título através da sobreposição de imagens/fotos das flores vermelhas e azuis, como acontece em um mistura de cores.
    Além disso, outro ponto forte é ele ser narrado por uma criança. Livros narrados por crianças tornam a história ainda mais sensível e a leitura agradável. A pequena narradora e seu irmão roubam as cenas e a relação entre eles é única.

    • Nossa, Gabi, nem tinha reparado nesse detalhe da capa! A edição brasileira está mesmo muito bonita e foi uma grande sacada trabalhar com a sobreposição de cores primárias para chegar à cor do título. Bem observado! 😉

      • Gabi, adorei o detalhe da capa também! Nada como alguém que entende de cores para perceber o que escapa aos “leigos”. Para mim, era uma capa bonita e harmoniosa!

  3. Meninas,
    maravilhosa a ideia do ”Clube do Livro”, sentia muita falta de um espaço assim: onde um grupo de pessoas leem e discutem um determinado livro.
    Parabéns e muito sucesso ao blog!!
    Conheci a Chimamanda com o livro Americanah e me apaixonei por ela, principalmente porque estou num momento muito Africa e América Latina.
    Há um tópico que ela coloca em ambos os livros: o cuidado, a beleza e as tranças dos cabelos das mulheres negras.
    Chimamanda nos conduz com muita naturalidade a esse mundo desconhecido e coberto de preconceitos, seja de maneira divertida e arrojada através de Ifemelu, em Americanah, ou na delicadeza dos gestos de Mama trançando os cabelos de Kambili, em Hibisco Roxo.

    • Mariane Domingos

      1 de abril de 2016 at 17:30

      Lilian, obrigada! Para nós está sendo uma experiência ótima também. É muito bom fazer uma leitura cuidadosa, atenta e, principalmente, reflexiva. Textos ricos como os de Chimamanda merecem ser digeridos aos pouquinhos.
      Interessante esse ponto que você levantou da beleza das mulheres negras, seus cuidados diários. Ela fala bastante também das roupas, suas cores e disposição sobre o corpo. Penso que esse é um dos vários artifícios que a autora usa para nos aproximar dos personagens e de sua cultura. Afinal, são nas características mais triviais e nos comportamentos mais rotineiros que um povo vai construindo sua identidade.

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