Seguir em frente pode significar deixar tanto para trás que se torna insuportável. Em Diga o Nome Dela, o escritor americano Francisco Goldman enfrenta com maestria um sentimento tão paradoxal e particular ao luto. Se desfazer de objetos, roupas e livros é difícil porque aos poucos se percebe que será preciso se deparar com uma segunda morte, às vezes até mais dolorosa, que é a das memórias.
Embora seja um autor razoavelmente conhecido nos Estados Unidos, colaborador da The New Yorker, Goldman teve apenas este livro traduzido e publicado no Brasil, pela Cia da Letras. Conheci a história nas páginas da revista piauí, e fiquei com aquele texto ecoando na minha cabeça por semanas – gosto, não sei bem explicar por quê, de histórias de grandes amores e finais tristes.
Meses depois, encontrei-o dando sopa em uma feirinha de livros na redação. No excerto do livro publicado pela piauí, Goldman conta como conheceu sua jovem esposa, Aura, como a pediu a esposa em casamento, os temores dela sobre a probabilidade de ficar viúva jovem (a diferença de idade entre os dois era de 20 anos) e encerra o texto com sua morte prematura.
A escritora mexicana Aura Estrada, com quem Goldman foi casado por pouco menos de dois anos, morreu em um trágico acidente na costa do Pacífico, no México, durante uma viagem de férias do casal. Em um mergulho, na tentativa de pegar uma onda, Aura quebra o pescoço ao bater em um banco de areia. Goldman se atormenta pela culpa por não estar no mar neste momento, por não ter sido capaz de salvá-la e por ser acusado pela mãe de Aura, Juanita, de ter matado sua filha.
Imerso em uma solidão que beira a loucura, o autor tenta expiar esses sentimentos e recorre a toda espécie de fragmentos que possam mantê-la viva, como diários, ensaios, o início de seu romance deixado inacabado, o cheiro de seu xampu, as alianças em uma corrente no pescoço e o vestido de noiva, que ficou pendurado em uma espécie de altar no quarto do casal. Não esquecer nunca, mais do que superar a dor, parece ser a força que o move.
Ao falar das miudezas que os dois compartilhavam no dia a dia, do posicionamento de Aura diante do mundo, de suas alegrias e tristezas, Goldman constrói uma das personagens femininas mais fortes que encontrei nos últimos tempos, muito provavelmente porque ela é vista sob o véu do luto. Aos olhos dele, Aura tem todas as qualidades possíveis: uma personalidade forte misturada com a doçura que só apelidos em espanhol permitem, sem ter medo de tomar posições que possam desagradar a uns e outros, especialmente a sua mãe.
É um livro sobre a tristeza, sobre o amor, mas é sobretudo uma homenagem a uma promessa da literatura mexicana que ficou no mar do Pacífico. Goldman, que diz ter sido feliz por apenas quatro anos, ao lado dela, não lhe devia menos.
Mantê-la viva, realizar seus desejos e promessas praticamente o destroça. É difícil não imergir na melancolia durante a leitura, que o leva a um ciclo de autodevastação que envolve longas noites de bebedeira, relações descabidas e uma profunda depressão que, na maior parte do tempo, o imobiliza.
“No quiero morir, amorzito” foram as últimas palavras de Aura. Poderia ser uma das inúmeras tatuagens de Goldman. Mas ele opta por outra frase, que resume tão bem o que é o luto. Henry King, bispo de Chicester, escreveu essas palavras em um poema para sua mulher, há mais de trezentos anos. “Cada hora um passo na tua direção”. Até para nós, leitores, é difícil admitir que Aura morreu.
Tainara Machado
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11 de março de 2016 at 23:17
Tainara, vou seguir tua recomendação.
E sugerir a leitura de Liberdade do Jonathan Franzen, escritor americano que tem um estilo muito agradável e que se aprofunda com maestria nas riquezas da alma humana.
12 de março de 2016 at 14:37
Oi Silvana! Obrigada pelo comentário! Li Liberdade e gostei muito, virei fã do Jonathan Frazen! Acabei inclusive lendo outros livros do autor, que adoro! Recomendo Correções (gosto até mais que Liberdade) e quero fazer um post sobre ele em breve 🙂
12 de março de 2016 at 21:46
Deu vontade de ler, já está em minha lista! Eu me lembrei do livro ‘Carta a D.’ (de André Gorz), um pequeno livro e uma grande declaração de amor de A. Gorz para a sua esposa Dorine. Uma leitura rápida, sensível e triste.
“Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinquenta e dois anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo carrego no fundo do peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher.”